Cannabis medicinal: tudo o que você precisa saber

30/04/2020

O uso da cannabis medicinal – ou simplesmente maconha medicinal – é considerado um dos temas mais polêmicos da medicina. A luta pela liberação do uso de componentes canabinoides para tratar diversos problemas de saúde enfrenta uma grande resistência, tanto no meio médico quanto por parte da sociedade, que já dura décadas.

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O que existe, na verdade, é uma grande associação errônea que se faz com os efeitos da maconha em nosso organismo. No entanto, a cannabis medicinal apresenta evidências científicas que comprovam seus benefícios para o tratamento de diversas doenças crônicas e neurológicas graves.

O caminho para o uso da Cannabismedicinal ainda pode ser longo no Brasil, mas tudo indica que estamos na direção certa para a liberação do produto no tratamento de doenças crônicas. Neste artigo, reuni tudo o que você precisa para se informar sobre o tema e tirar suas principais dúvidas sobre o uso da cannabis medicinal.

Vamos lá?

A regulamentação da Anvisa

O uso da cannabis medicinal como tratamento alternativo vem sendo estudado há décadas. Em 1980, um estudo pioneiro no Brasil, e um dos primeiros no mundo, foi realizado pela Universidade de São Paulo (USP) juntamente com a Universidade Hebraica de Jerusalém para analisar os efeitos dos componentes da planta no tratamento da epilepsia.  

Em 2014, o debate sobre o uso da Cannabis medicinal entrou na agenda pública brasileira, influenciado pela divulgação de casos de crianças com epilepsia e outras doenças graves que apresentaram uma melhora com o uso da mesma. Cinco anos depois, o Brasil deu importante passo para a regulação do uso da cannabis medicinal.

Em dezembro de 2019, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) regulamentou a fabricação de produtos à base de cannabis para o tratamento de diversas doenças graves. No cenário mundial, países como Reino Unido, Líbano e Coreia do Sul, já haviam regulamentado o uso da Cannabis  como matéria-prima para a produção de diferentes tipos de medicamentos.

Na prática, quais foram as mudanças?

A utilização da cannabis para fins medicinais já era liberada no Brasil, mas com grandes restrições que dificultavam seu acesso. Para conseguir o produto, o paciente precisava elaborar um documento e aguardar a autorização da Anvisa. O procedimento era bastante burocrático e poucos pacientes conseguiam a autorização.

Além do difícil acesso à cannabis medicinal, os pacientes que conseguiam a autorização precisavam aguardar de 45 a 60 dias para o produto chegar ao Brasil, uma vez que a produção não era realizada em território nacional. Devido ao tempo de espera, o risco de interrupção do tratamento era considerado alto, o que poderia comprometer os avanços no tratamento de pacientes com doenças crônicas.

Com a nova regulamentação, a Anvisa garante que a prescrição da cannabis medicinal seja feita por médicos, sem a necessidade de aprovação do pedido pelo órgão. Dessa forma, o produto ficará disponível nas prateleiras das drogarias, diminuindo custos e o tempo de acesso ao tratamento.

Contudo, há diversas regras rígidas impostas para a fabricação e comercialização dos produtos à base de cannabis medicinal. Os produtos serão classificados com tarja preta, ou seja, só poderão ser comprados com prescrição médica e retenção da receita.

Já as empresas fabricantes deverão seguir um rígido padrão técnico durante a produção. Como a Anvisa arquivou a proposta de regulamentação do plantio de Cannabis no Brasil, as empresas deverão importar a matéria-prima semielaborada, ficando proibida a importação da planta.

Quais componentes da maconha são utilizados com fins medicinais?

A cannabis possui mais de 120 canabinoides – elementos que fazem parte de sua composição – encontrados até o momento. Para o tratamento medicinal, os produtos  utilizarão dois componentes específicos: a tetra-hidrocanabinol (THC) e o canabidiol (CDB), os dois canabinoides mais abundantes e mais pesquisados até o momento.

O THC e o CDB interagem com um sistema sinalizador vital do nosso organismo, denominado sistema endocanabinoide, responsável por regular uma série de funções vitais, como:

  • dor;
  • apetite;
  • humor;
  • memória;
  • sono;
  • ciclos vitais das células e
  • respostas imunológicas.

A utilização dos componentes na fabricação dos produtos deve seguir as novas regras determinados pela Anvisa. Segundo o órgão regulamentador, as normas variam de acordo com a concentração de THC: em formulações com concentração de THC de até 0,2%, o produto deverá ser prescrito por meio de receituário tipo B, com numeração fornecida pela Vigilância Sanitária local e renovação de receita em até 60 dias. Isso porque produtos com índice de THC superior a 0,2% apresentam efeitos parecidos com o uso da maconha para recreação.

Produtos com concentrações de THC superiores a 0,2% só poderão ser prescritos a pacientes terminais ou que não obtiveram uma resposta satisfatória a outras alternativas terapêuticas de tratamento. Nesse caso, o receituário para prescrição será do tipo A, com validade de 30 dias, fornecido pela Vigilância Sanitária local, padrão semelhante ao da morfina, por exemplo.

Além disso, o THC pode aumentar o risco de esquizofrenia em pacientes com predisposição para essa patologia e provocar sintomas específicos, como ansiedade aguda, psicose aguda e problemas cognitivos.

Para diminuir os riscos do THC isolado, os produtos são fabricados com a combinação do componente com o CBD. Isso porque este último é capaz de neutralizar os possíveis efeitos colaterais provocados pelo THC. Já o CDB apresenta apenas alguns efeitos colaterais mínimos, como supressão imunológica com risco de infecção oportunista, que já foi observado em alguns pacientes, mas em casos extremamente raros.

Qual a indicação de uso da cannabis medicinal?

Os componentes da cannabis, sobretudo o CDB, podem ser usados no tratamento de algumas doenças crônicas e neurológicas específicas. A principal recomendação de uso é para tratar alguns tipos de epilepsia, como a síndrome de Dravet e a síndrome de Lennox-Gastaud, duas condições potencialmente graves que podem ser amenizadas com o tratamento da cannabis.

Os benefícios da cannabis medicinal também são comprovados para tratar dores neuropáticas, mas seu uso apresenta eficácia limitada, sendo indicado para o tratamento de indivíduos resistentes a outros medicamentos. Existe, ainda, a recomendação do uso do CBD para amenizar sintomas comportamentais em pacientes com Alzheimer e crianças que nasceram com autismo. No tópico abaixo, expliquei melhor os benefícios da cannabis no tratamento dessas doenças.

Vale ressaltar que os benefícios do uso medicinal da cannabis vão muito além do alívio da dor e da melhora neurológica e cognitiva dos pacientes. Os ganhos também podem se refletir em:

  • maior autonomia para realizar atividades do dia a dia;
  • melhora no sono e combate à insônia;
  • melhora na qualidade de vida;
  • aumento da percepção de felicidade, inclusive entre idosos.

No entanto, é importante frisar que a prescrição do produto não é a mesma para todos os casos. A quantidade de concentração de THC e CDB deve variar muito de caso para caso, de acordo com o perfil do paciente e as particularidades de cada doença. Neste momento, seguindo a recomendação de novos estudos, o ideal é começar com doses baixas e ir aumentando conforme o quadro de cada paciente.

Os benefícios do óleo de cannabis

O óleo de cannabis nada mais é do que extrato da planta. O produto utiliza quantidades equilibradas de THC e CDB para garantir os benefícios à saúde, proporcionados pelas substâncias sem efeitos colaterais.

Diferente das outras formas de comercialização da cannabis, que costumam ser sólidas e vendidas como material vegetal seco, a fórmula do óleo de cannabis é muito mais controlada, apresentando as concentrações ideais dos componentes para tratar diversas doenças graves.

A epilepsia, por exemplo, é a principal doença tratada com o uso do óleo de cannabis. No Brasil, algumas associações sem fins lucrativos, como a Associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança (ABRACE), realizam o trabalho de distribuir o óleo para pacientes epiléticos, devido à dificuldade de acesso ao produto.

Além disso, o CDB presente no óleo pode ser usado para aliviar o estresse ou outros problemas de saúde mental. Isso porque os efeitos do componente são semelhantes aos causados por medicamentos ansiolíticos e antidepressivos.

Alguns estudos comprovaram que o CDB pode reduzir a dor nas articulações e provocar efeito analgésico para dor crônica e dor provocada por câncer. Contudo, ainda são necessárias mais pesquisas para comprovar a real eficácia que o CDB pode ter em relação à saúde física.

Pacientes que sofrem com insônia também podem se beneficiar com o uso do óleo de cannabis. Estudos avaliam, também, os benefícios do CDB no uso terapêutico psiquiátrico, relacionado à diminuição dos níveis de estresse e ansiedade, principais responsáveis por fazer com que o paciente tenha dificuldade para dormir.

literatura médica já verificou a eficácia no uso de canabinoides, para:

  • analgesia da dor;
  • efeitos ansiolíticos e euforizantes, para ansiedade e depressão;
  • percepção da dor diminuída, aumento da tolerância à dor;
  • ação anti convulsivante;
  • estímulo do apetite no estado de caquexia;
  • diminuição da pressão intraocular, útil nos casos de glaucoma;
  • atividade anti-tumoral e anti-inflamatória no câncer;
  • ação antiemética e
  • relaxamento muscular para alívio da contração do músculo.

Por fim, um estudo realizado em Belém do Pará, publicado na Revista Frontiers of Neurology, comprovou a diminuição no número de convulsões, melhora no déficit de atenção e hiperatividade, no sono, na comunicação e na interação social de crianças que nasceram com autismo. Segundo os pesquisadores, não há nenhum medicamento utilizado na medicina tradicional capaz de promover todos esses ganhos.

A luta das instituições de saúde para a regulamentação

É importante considerar que a nova regulamentação da Anvisa não foi uma decisão iniciada, exclusivamente, pelo órgão. Para conquistar esse importante avanço, diversas iniciativas foram colocadas em prática por associações que lutam pela liberação do uso medicinal da cannabis. Abaixo, você conhece as principais:

Associação Brasileira de Pacientes de Cannabis Medicinal (AMAME)

A Associação é uma iniciativa de pacientes, familiares e colaboradores diversos que tem como princípios fundamentais promover, garantir, consolidar e expandir os direitos dos pacientes de cannabis medicinal. Atuando em prol da regulamentação, a AMAME visa produzir cannabis medicinal no país com adequado controle de qualidade e baixo custo.

Santa Cannabis

Santa Cannabis é uma ONG, com sede em Santa Catarina, que busca facilitar o acesso à cannabis medicinal, além de desenvolver estudos em pessoas com indicação para o tratamento. O principal propósito da Associação é levar ao maior número de pessoas a informação e o conhecimento sobre os benefícios do uso do Cannabidiol para melhorar a qualidade de vida do maior número de pessoas possível.

Associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança (ABRACE)

ABRACE é uma organização sem fins lucrativos que foi criada para dar apoio às famílias de pacientes que necessitam do tratamento com cannabis medicinal, além de realizar pesquisas com os pacientes que utilizam o produto como tratamento alternativo.

Previsões futuras

Apesar da regulamentação do uso e comercialização da cannabis medicinal, o Brasil e o mundo ainda tem muito o que avançar neste cenário. Os produtos à base de maconha medicinal ainda não possuem o registro de medicamentos, já que ainda carece de pesquisas clínicas que sejam capazes de comprovar a eficácia desses produtos, além de outros requisitos para classificá-los como medicamento.

No momento atual, a cannabis medicinal não vem para substituir os medicamentos utilizados em tratamentos convencionais, mas sim para atuar como tratamento complementar às práticas da medicina tradicional.  

A aceitação do uso da cannabis medicinal, tanto pelos médicos como pela sociedade, está crescendo gradativamente. Desde que a Anvisa autorizou o uso terapêutico nos tratamentos de diversas doenças, mais de 78 mil unidades de produtos à base de cannabis foram importados pelo país e mais de 800 médicos brasileiros já prescreveram produtos derivados.

Contudo, novas pesquisas conclusivas sobre a eficácia e atuação da cannabis medicinal devem ser feitas nos próximos anos. Tudo indica que, com as novas descobertas, o produto seja mais utilizado como tratamento complementar a diversas doenças e condições de saúde.

Gostou de saber mais sobre o tema? Aproveite para agendar uma consulta e saiba se a cannabis medicinal pode contribuir com sua saúde. Estou te esperando!

Publicado por: Dra. Christiane Fujii - CRM/SC 8813 RQE 5292 e 8074
Formada em Medicina pela Universidade Regional de Blumenau FURB, fez especializações em Homeopatia, Acupuntura, e pós-graduações em Ciências da Fisiologia Humana pelo Grupo Longevidade Saudável e Prática Ortomolecular
Doctoralia    

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